Mariana Becker, com fome de Fórmula 1

Entre as etapas de Mônaco (onde reside) e Espanha, conseguimos falar com a jornalista que aprendeu a valorizar as receitas desde pequena, por influência do pai

Marcel Miwa

Marcel Miwa

O grande nome brasileiro hoje na Fórmula 1 é Mariana Becker. A repórter acompanha o circo da maior competição automotiva desde 2007 e conquistou espaço e respeito junto às escuderias e pilotos. E o que isso tem a ver com o universo de GULA? Mariana é também apaixonada pela gastronomia, coleta ingredientes e histórias de tantas viagens pelo mundo, e agora divide parte delas com você.

Quando a paixão pela comida surgiu na sua vida?

Diferente de muitas famílias, a veia gastronômica veio do meu pai, que era médico e cozinhava muito bem. Mas éramos em cinco filhos, então não sobravam muitas oportunidades para cozinhar. Como costumo dizer, antes de cozinhar é preciso saber comer bem. E foi assim que comecei. 

E havia alguma receita imbatível do seu pai?

Tinham várias mas, como sempre, existem dois lados da história. Ele era muito resiliente e quando decidia reproduzir uma receita a repetia à exaustão. Claro que nós éramos as “cobaias”, e no final ele sempre chegava lá. Em uma viagem à Patagônia argentina para pescar truta, na década de 1980, ele se encantou com o tal pollo patagonico, um frango marinado e assado na brasa sobre um disco de arado. Tivemos que comer frango seguidamente até chegar no ponto ideal. E foi assim com o salmão a beurre blanc, o pato laqueado e outras receitas… 

E como foi essa trajetória da mesa para a cozinha?

Eu viajava muito sozinha, principalmente para surfar, e ali gostava de ter este tempo para assumir a cozinha. E era um momento de conversar, de fazer as coisas com tempo, sem pressa. Quando fui morar na Europa sozinha, aí entendi o alimento e a gastronomia como partes da cultura e do dia-a-dia das pessoas. O tomate na Itália é uma obra de arte, lá o ingrediente brilha, o que explica porque as receitas italianas não misturam muitos ingredientes. São poucos mas de ótima qualidade. Quando entrei pela primeira vez em um grande supermercado na França, fiquei surpresa com dois longos corredores dedicados unicamente aos queijos. E vale o mesmo para os países árabes ou a Índia com seus produtos locais. 

E a competitividade do ambiente da Fórmula 1, se reflete na Mariana quando está à frente da cozinha? 

Não diria competitiva, mas herdei aquele comportamento do meu pai. Acho que é mais a repetição para refinar uma receita. No meu caso é um processo. Me apaixono por um lugar e por uma receita. Daí vou atrás da música e das vestimentas locais. Faço uma imersão na cultura de um lugar e a gastronomia vem junto. Além disso, depois de alguns anos de prática vamos aprendendo algumas atalhos na cozinha, assim também não é preciso repetir mais tantas vezes as receitas. 

Qual o seu prato de resistência? Aquele que sabe que não errará e é consistente no resultado?

Olha… nesse quesito eu sou audaciosa. Sou capaz de fazer uma receita inédita para uma visita. Sou bastante informal em casa e crio o clima para fazer alguma receita. Já fiz feijoada para uma pessoa apenas e minhas amigas elogiam meu frango assado com laranja e cerveja. 

Quais países você aguarda ansiosamente para visitar pela comida durante a temporada de F1?

Cada país tem seu encanto e ingredientes. Hoje posso me dar ao luxo de não procurar uma cozinha regional fora de seu país de origem. Amo a cozinha árabe, mas não preciso ir a um restaurante árabe quando estou em Mônaco ou no Brasil. Assim, quando estou em Nápoles, vou atrás da mozzarella; nos árabes, corro atrás das tâmaras, na Argentina procuro pela carne e não vejo a hora de pisar na Áustria para comer um wiener schnitzel (vitela empanada e frita), que adoro. O Japão é um capítulo à parte, mais que comer um bom sushi ou valorizar o wasabi ralado na hora, gosto de identificar um bom arroz, o tempero correto e provar o tamagoyaki (sushi de omelete); a forma que muitos japoneses reconhecem um bom restaurante. Gosto de tomar o café da manhã como os japoneses, como uma refeição completa, com arroz, salada e sopa.

E trabalhando na cobertura da F1? Imagino que não dê para ser muito aventureira na nas refeições do dia-a-dia.

Durante o trabalho realmente não posso me arriscar, preciso estar bem e em alguns países o acesso a médicos e medicamentos não é tão fácil. Mas sempre tento tirar uns dias a mais, dependendo dos intervalos, para conhecer e curtir a cultura do lugar. Na Índia, por exemplo, são mil recomendações para escovar os dentes com água mineral, não comer fora dos hotéis e etc. No primeiro dia livre, depois da prova, fui a uma massagem ayurvédica em um templo sikh. Na saída havia um senhor distribuindo uma massinha de nozes, que ele prensava com a mão e entregava de mão em mão para todos que estavam saindo de lá. Não tinha como recusar. Comi e… não deu nada. Outra vez na Inglaterra, era o lançamento de um carro da Williams, estava no caminho e parei em um posto de gasolina. Estava com fome e pedi um curry. Isso resultou em uma internação no hospital. Fui muito juvenil ali e aprendi. Na China há uma grande cultura da comida de rua. Ali eu seguia os passos da minha guia, que não falava inglês e eu não falo mandarim. Simplesmente comia o mesmo que ela, tudo no gestual. Ela deve me achar meio louca. 

Nos fins de semana de prova, dá para aproveitar ou fuçar o que as equipes servem?

Hoje em dia as equipes possuem um teto de gastos e junto com as medidas de distanciamento em função da COVID, jornalistas não podem mais comer junto com as equipes das escuderias. Mas antes disso era muito legal! Ferrari e Williams eram duas equipes que caprichavam. A Williams tinha um superchef, com estrela Michelin, que fazia receitas de acordo com a origem da marca. Assim no café da manhã tinha feijão e tudo temperado com vinagre de malte. A Ferrari era ma-ra-vi-lho-sa! Sempre tinha mil opções de saladas, sanduíches, massas feitas na hora e sempre al dente, além de ter uma estação em que um cozinheiro fazia a mozzarella na hora. Hoje acabo conhecendo os chefs e muitos deles acabam oferecendo algo. O chef da Haas é muito querido e quando estava agora na prova de Mônaco ele me parou e perguntou se eu tinha almoçado. Já era tarde e estava morrendo de fome mesmo. Ele me chamou no canto e preparou uma massa espetacular. Mesmo quando é um sanduíche, há um presunto defumado artesanalmente ou uma mostarda específica.

Quando não tem essa sorte de um chef de uma equipe convidar para comer algo, como se vira?

Nós temos um contêiner de apoio, com uma geladeira e uma sanduicheira. Eu tenho um guia de misto quente, que fiz com meu pai, com os melhores mistos pelo mundo. Assim tenho minha teoria sobre o misto perfeito. 

Poderia dividir essa receita?

Hahaha, claro! Primeiro é dispensar qualquer item desnecessário, como trufas ou muitos queijos diferentes. E se trata mais de bons ingredientes e proporção. Um pouco de manteiga para tostar mas não encharcar o pão; dentro, deve-se colocar uma fatia de queijo de cada lado do pão, para que ele não escorregue e também não vaze. O presunto, de boa qualidade, vai no meio. Assim é controlar o ponto para ter a crosta tostadinha e crocante, com o interior úmido e com o queijo derretido.

Qem entre os pilotos é bom de garfo?

A rotina de treinos e a questão física são pontos importantes para os pilotos. Assim, é raro vê-los durante a temporada se esbaldando com comida… mas uma unanimidade é o Ocon. Até mesmo os colegas se perguntam como ele consegue comer loucamente como faz e se manter tão magro. O Carlos Sainz também gosta de comer bem, além dos italianos e franceses. Os italianos não toleram uma massa fora ponto e os pilotos franceses não admitem molhos carregados de creme de leite para esconder defeitos. 

Quando você retorna ao Brasil, o que gosta de comer?

Normalmente quero ficar em casa, com família e amigos. Sou de Porto Alegre, entanto o churrasco é comum e não abro mão da combinação arroz, feijão, farofa e pastel. Um ritual que tenho com amigas de infância e que sempre nos reunimos perto do Natal é comer o sanduíche primavera, algo muito portalegrense. A diferença é que hoje acompanhamos com Champagne. Outra coisa que adoro é o sanduíche aberto de pumpernickel (pão de centeio); com frios, pepino e molho remoulade, bem alemão e, claro, acompanhado de chope. Melhor pararmos por aqui pois já me deu fome!