Sulfuroso, sulfito ou sulfetos?

Sulfuroso, sulfitos e sulfetos no vinho: o que são?

Três termos químicos que, aparentemente, designam uma mesma coisa, mas que, na prática, geram muita confusão. Lancemos, pois, um olhar mais preciso.

 

Quem esteja a ouvir alguém a conversar sobre vinhos, não demorará muito para que o termo sulfuroso venha à baila. É ampla - e incorretamente - usado em muitos contextos de forma abrangente para designar três entidades químicas distintas e é, seguramente, um tópico que provoca muita confusão. Os termos químicos são sulfuroso, sulfitos e sulfetos, todos diferentes e desempenhando várias funções na vinha e na adega.

 

Sulfuroso ou enxofre

 

Primeiro, vamos tratar do sulfuroso, também conhecido como enxofre. Trata-se de um dos elementos químicos da tabela periódica, com o número 16, o quinto mais comum na Terra e de cor amarela.

É usado na viticultura em spray para tratar o oídio, um grande problema nas vinhas em todo o mundo. O enxofre pode ser aplicado em pó ou numa versão úmida, solúvel e depois pulverizado na forma líquida. Este é um dos poucos fungicidas permitidos na viticultura em modo biológico, por ser tradicional. Ainda é amplamente utilizado.

É um fungicida de contato que atua preventivamente, mas não é curativo. Ou seja, impede que o fungo se estabeleça na videira, mas se o fungo já estiver estabelecido, o enxofre não vai corrigir o problema. O enxofre tem sido tradicionalmente usado em conjunto com uma combinação de sulfato de cobre e cal, chamada calda bordalesa, usada para tratar doenças da vinha como o míldio. Este também é um fungicida de contato. Quando são lixiviados pela chuva, devem ser reaplicados. O cobre também é permitido como fungicida em viticultura biológica.

 

Sulfitos

 

Os sulfitos são um grande tópico no vinho. Quase todos os vinhos têm adição de dióxido de enxofre (SO2, o que referimos por “sulfitos”), a fim de evitar o crescimento indesejado de micróbios e também para combater os efeitos da oxidação. É muito eficiente em ambos, por isso é tão amplamente utilizado. Existem limites legais rigorosos sobre a quantidade que pode ser adicionada, pelo que os vinhos que contêm mais do que 10 mg/litro devem ter no rótulo a menção “contém sulfitos”. Talvez seja por causa desse rótulo que aparece em praticamente todos os vinhos que as pessoas culpam os sulfitos se têm uma reação adversa. Mas é algo injusto: sim, alguns asmáticos são sensíveis aos sulfitos, mas os níveis no vinho são bastante baixos. As aminas biogênicas, como a histamina, que estão presentes em muitos vinhos em níveis baixos, podem com maior probabilidade causar reações adversas em algumas dessas pessoas. Ou pode ser apenas que o problema seja vinho a mais. Assim, os sulfitos, que têm um papel importante como guardiões moleculares da qualidade do vinho, costumam ter má reputação, imerecida, simplesmente porque são mencionados no rótulo.

No vinho, os sulfitos existem em duas frações: ligados e livres. [NDT - A fração de sulfitos que não se liga a qualquer constituinte alimentar é designada por “sulfitos livres” e constitui uma mistura de dióxido de enxofre, bissulfito e iões sulfito em equilíbrio dinâmico]. São os sulfitos livres que conferem proteção. Portanto, quando analisamos os níveis de dióxido de enxofre, existem geralmente duas medidas: total e livre, sendo que a boa vinificação visa obter a proporção de livre para total o mais alta possível.

Alguns produtores fazem questão de não adicionar nada ao vinho, nem mesmo sulfitos. Esta abordagem ‘natural’ levou a um grande aumento do número de vinhos feitos sem a adição de sulfitos, sendo que os mais competentes produtores de vinhos naturais elaboram vinhos realmente atrativos. Algumas grandes empresas começaram a fazer vinhos sem adição de sulfito para atrair os mais preocupados com a saúde, e existem alguns protocolos de produção de vinho interessantes envolvendo bactérias cultivadas e leveduras que permitem que vinhos “naturais” (‘clean wines’) sejam feitos em grandes quantidades sem adições de sulfitos. A isso chama-se bioproteção. Mas mesmo onde nenhum sulfito é adicionado, as leveduras produzem um pouco (e por vezes mais do que um pouco) de dióxido de enxofre durante o processo de fermentação. Muitas vezes, isso é suficiente para que o vinho ainda tenha que ser rotulado como “contém sulfitos”.

Inicialmente, o dióxido de enxofre era adicionado ao vinho queimando um pavio de enxofre numa barrica antes de enchê-la, mas essa é uma forma imprecisa de dosagem. Agora é muito mais normal adicionar metabissulfito líquido, o que permite ajustar um nível específico.

 

Sulfetos

 

Portanto, abordamos o sulfuroso, ou enxofre (usado na vinha), bem como os sulfitos (usados ​​na produção de vinho) – e quanto aos sulfetos? Enquanto os sulfitos são compostos contendo enxofre oxidado, os sulfetos são compostos de enxofre reduzido. São um dos grupos de compostos classificados como compostos de enxofre voláteis que causam o defeito no vinho amplamente conhecido como redução. O sulfeto mais conhecido é o sulfureto de hidrogénio - H2S - que tem cheiro de ovo cozido e podre. Mas outros podem surgir e incluem dissulfetos, mercaptanos (também chamados de tióis) e tioésteres. São produzidos pelas leveduras durante a fermentação, quando estão estressadas ou quando há escassez de nutrientes. O fascinante sobre esses compostos voláteis de enxofre é que, em alguns contextos, contribuem positivamente para o aroma do vinho, enquanto em outros são considerados defeitos. Algumas pessoas usam “sulfetos” para descrever todos os compostos de enxofre voláteis no vinho, embora isso seja incorreto.

Aqui chegados, vemos que, na maioria dos casos, quando as pessoas usam o termo sulfuroso em relação ao vinho, não o estão a utilizar corretamente. E porque sulfetos e sulfitos são tão diferentes, alguma precisão é necessária.

 

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