Meu Tio Roberto

Uma das perguntas que mais ouço desde que comecei a escrever sobre vinho é “como você entrou neste universo?”. Costumo responder que nem mesmo eu sei a resposta. A bebida faz parte desde sempre da minha família, de origem italiana e cujos domingos sempre foram marcados por longos almoços, mesa farta, criançada reunida e, claro, vinhos. Portanto, desde sempre espumantes, brancos, tintos, e todos os outros tipos da bebida estiveram presentes. Mas o interesse específico pelo universo do vinho eu devo a uma pessoa em especial: meu tio Roberto.

 

Era ele quem desafiava os miúdos, nos incentivando a enfiar o nariz no copo e reconhecer cheiros. Era ele quem contava histórias sobre as regiões produtoras, desfilava conhecimento sobre as uvas e modos de produção. E tudo isso de forma simples, direta, objetiva. Era, sobretudo, gostoso de ouvir o Roberto explicar sobre vinhos. E, já que beber não nos era permitido, a gente provava os rótulos através do conhecimento do Tio Bebeto.

 

Com o tempo, passei a estudar sobre vinhos. E quanto mais eu aprendia, mais percebia o quanto meu tio sabia de vinhos. Abrir garrafas com ele sempre foi um prazer enorme. Além de provar grandes rótulos, bebia sabedoria, mas com simplicidade.

 

Quando eu, jornalista esportivo, decidi mudar radicalmente de assunto e começar a escrever sobre vinhos, meu tio Roberto era o porto seguro onde muitas vezes eu ia lá tirar dúvidas que apareciam. Depois de algum tempo, ele me chamou para ajudá-lo a fazer a revisão técnica da edição brasileira do livro 1001 vinhos para provar antes de morrer. Eu, que na época já assinava a coluna Vinhos e Outras Cachaças no Jornal do Brasil, não coube em mim de tanta felicidade com o convite.

 

Nas reuniões de família, que felizmente são muitas, o vinho sempre foi tema de intermináveis e deliciosas conversas. Neste ano, tive a felicidade e a honra de receber o Roberto – e boa parte da família, diga-se de passagem, na Essência do Vinho, evento do qual participo há uma década, na cidade do Porto. E o Roberto adorou e aproveitou ao máximo aquele que é o maior evento de vinhos de Portugal.

 

No tradicional jantar comemorativo que meu irmão Nuno Pires oferece aos convidados da feira, meu tio Roberto estava lá. Provou vinhos do Porto e da Madeira do século XIX, entre outros rótulos espetaculares que o sempre generoso Nuno abre aos felizes convidados. E lá, pude prestar a ele um tributo em público, ao dizer quanto importante ele foi na minha formação no mundo dos vinhos.

 

Infelizmente, aquele jantar inesquecível foi a penúltima vez que vi meu tio. Dia seguinte ainda jantamos no Gaveto, em Matosinhos. Depois, ele seguiu viagem com minha Madrinha para um lado, eu fui para outro. Na sequência, ele acabou contaminado com o maldito COVID-19. E depois de uma longa batalha, faleceu.

 

Mas morrer, isso não. Enquanto houver garrafa na minha adega, enquanto houver vinhos para provar e textos para escrever, meu tio Bebeto vai estar comigo. Vivo e vibrante como um vinho madeira de 1834. Intenso e firme como um porto vintage 1945. Afinal, lendas não morrem. E, acreditem: meu tio Roberto é uma lenda.

 

Obrigado por tudo e até breve.

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