Não é exagero afirmar que 2020 marcou a explosão do delivery na gastronomia. Os gastos com aplicativos de entregas cresceram 94,67% nos cinco meses iniciais deste ano na comparação com o mesmo período de 2019, de acordo com levantamento divulgado em julho pela plataforma de finanças Mobills. Ainda que faltem dados conclusivos, tudo leva a crer que uma das datas mais festejadas no comércio, a Black Friday, possa aquecer o desempenho de bares e restaurantes. Pelo menos esta é a expectativa de Ifood e Rappi, dois dos principais aplicativos do segmento ouvidos pela GULA.
Líder do mercado, o iFood não revela suas estimativas, mas a expectativa é de superar as vendas de 2019, quando entregou 1,4 milhão de pedidos somente no dia 29 de novembro. "Terminamos o mês com um desempenho 116% superior a 2018", afirma o diretor de marketing do Ifood, Felipe Pereira.
A aposta em 2020 é positiva, principalmente porque a base de cadastrados foi impulsionada, o que agrega novas possibilidades de geração de valor para os consumidores que ainda não se animam muito em sair de casa.
Retrato disso é que, em março, o iFood contava com 160 mil restaurantes registrados, número que subiu para 236 mil estabelecimentos em agosto. E essa expansão também acontece na chamada alta gastronomia.
"Entre março e agosto deste ano, o iFood Gourmet registrou crescimento de 18% no número de restaurantes entrantes", diz Pereira, acrescentando que esse volume representa um salto de 106% em relação aos seis meses anteriores (setembro de 2019 a fevereiro de 2020).
Uma das apostas do Ifood para esse segmento premium é um serviço especial disponível no app, o Gourmet Experience. Nesse espaço é possível buscar pratos especificamente elaborados para a experimentação de novas marcas. A ação prossegue em novembro com descontos de R$ 12 para primeiro pedido nos restaurantes.
"A Black Friday é um período importante de fortalecimento do nosso compromisso de fomentar os restaurantes parceiros. Trata-se de um mês forte em que buscamos impulsionar vendas de pequenos e médios estabelecimentos de todo o Brasil", conclui o diretor de marketing do Ifood.
No Rappi, terceiro aplicativo de refeições mais buscado, segundo estudo da consultoria CVA Solutions, os prognósticos também são animadores. "Não divulgamos o volume de pedidos, mas podemos afirmar que nossa expectativa é que os resultados neste ano sejam 10 vezes maiores do que em 2019", afirma o diretor de estratégia do Rappi no Brasil, Fernando Vilela.
Segundo ele, o mercado de gastronomia vem preparando campanhas para oferecer muitas ofertas na Black Friday. As ações serão concentradas no Rappi Chefs, interface que tem parceria com mais de 60 restaurantes de alta gastronomia em São Paulo e 200 no Brasil. "Restaurantes como Jiquitaia, Arturito, Sal e Tan Tan terão valores promocionais especialmente para a data", antecipa.
Uma das novidades é o serviço de Live Shopping, lançado em outubro, acompanhando a tendência do chamado shopstreaming. Será possível assistir streamings ao vivo e comprar os produtos que aparecem nos vídeos. "Queremos que a Black Friday de fato alcance, ou até supere, as expectativas do varejo de recuperar a receita após um ano atípico e cheio de dificuldades como 2020”, destaca o diretor de estratégia do Rappi no Brasil. “No nosso entendimento, será um momento de vendas com oportunidades únicas.”
GOUVÊA FOODSERVICE: TENDÊNCIA É USO DE CUPONS
De acordo com a CEO da consultoria Gouvêa Foodservice, Cristina Souza, o mais provável é que esta Black Friday seja marcada pelo uso de cupons digitais. A solução permite que as promoções possam ser degustadas antes ou depois da última sexta de novembro (dia 27). "Os restaurantes não estão preparados para receber o triplo ou o quádruplo de pedidos", explica ela em entrevista à GULA. Ela ressalva, no entanto, não esperar descontos de 70% nesse segmento premium. "Esperaria uma Black Friday charmosa."
Para a CEO, alguns chefs tinham uma certa resistência ao delivery antes da pandemia. Mas as circunstâncias obrigaram a uma revisão de conceitos. "O que a gente percebe é um movimento mais inteligente e empresarial dos chefs de cozinha", analisa Cristina. “Fizeram reformas para o delivery e se esmeraram em suas embalagens. Eles se digitalizaram e arregaçaram as mangas. Viram que tecnologia pode ser muito positiva para o negócio. Entenderam que restaurante é uma plataforma, que permite vender produtos, inclusive em gôndolas de supermercado, e criaram segundas marcas”, detalha a CEO da Gouvêa Foodservice.
A visão é compartilhada pelo diretor de marketing do Ifood, Felipe Pereira. "O segmento premium tem se adaptado muito bem em traduzir sua experiência do salão no delivery. Esses restaurantes realizaram mudanças nos menus, adaptações na apresentação dos pratos, porções e embalagens customizadas, tudo para levar a mesma experiência do salão para a casa do cliente."
Um exemplo é o Do Batista. Com o sobrenome do famoso escudeiro de Claude Troigros, o restaurante já nasceu delivery e é um dos parceiros do iFood Gourmet, com unidades no Rio e em São Paulo.
ABRASEL: MARGENS COMPRIMIDAS
A Black Friday poderia ser um sopro de esperança para um setor que vem sofrendo em 2020. Em pesquisa divulgada em outubro pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), mais da metade (53%) dos donos de bares e restaurantes diz que suas empresas operam no prejuízo.
Pior: para 52% deles, ainda segundo o levantamento, o faturamento está abaixo da expectativa na retomada. De acordo com Célio Salles, conselheiro da Abrasel, os restaurantes não conseguem praticar preços agressivos e enfrentam outro revés desses tempos de protocolos durante a pandemia: a limitação da capacidade nos salões.
Outro problema para essa Black Friday, segundo ele, são as dificuldades de um setor que amargou mais de três meses de lockdown. "As margens do setor estão comprimidas. Principalmente pelo custo de insumos. As commodities estão em alta e as margens diminuíram. Os restaurantes não estão sentindo conforto para atualizar os preços de cardápios e têm menos margem para oferecer promoções, ofertas e descontos", argumenta Salles.
"Se eu fosse dar um conselho, daria descontos em pratos e produtos com um ticket médio mais alto. E no delivery e takeaway, é preciso ampliar as promoções para um período maior no mês e na semana, com ofertas mais agressivas no dia", sugere Salles. “É preciso planejar com antecedência”, resume.