Vaca velha, uma raridade

Tradição gastronômica da Península Ibérica, o cultivo e o consumo de carne de animais em idade avançada chegam a restaurantes de São Paulo

Fotografia: Divulgação
Miguel Icassatti

Miguel Icassatti

Primeiro foi em Mirandela, na região de Trás-os-Montes, no norte de Portugal, em 2015. Sete anos depois veio o repeteco, em um jantar na esplêndida San Sebastián, na Espanha, durante uma viagem ao congresso Gastronomika. Mais recentemente, tive, enfim, duas oportunidades de provar, agora na cidade de São Paulo, a carne de vaca velha. Como o nome indica, sem rodeios, a carne de vaca velha provém de animais de idade avançada e é uma tradição ancestral originária da Península Ibérica. Na Espanha – em especial no País Basco e na Galícia – e no norte de Portugal (além de Trás-os-Montes, também há o Minho), essas reses passaram a vida a serviço de camponeses, na tração do arado e do carro-de-boi, por exemplo. Na altura de seus 15 anos de idade, são engordadas a fim de serem abatidas para que se consuma sua carne. E ao contrário do que se possa imaginar, uma vez que estamos acostumados ao churrasco de novilho e de bovinos jovens, a carne de vaca velha é uma das mais saborosas as quais eu e você teremos a oportunidade de provar.  

Na Península Ibérica, o corte mais apreciado é o da costela – ou “chuletón” –, que em geral é cortada em nacos de 3 a 4 centímetros de espessura, com o osso. As peças de 1 quilo chegam a custar por volta de 25 euros (150 reais) nos açougues locais. Em geral, o chuletón é maturado por três semanas, sob umidade e temperatura controlada. As peças provém de animais de raças como a rubia galega, a minhota e a asturiana têm uma textura macia, alta suculência e uma camada de gordura densa de cor amarelada. 

Já no Brasil, outras raças vêm sendo adaptadas a novos processos e cultivadas para fornecer os cortes de vaca velha, esses também de acordo com a preferência nacional, como fraldinha e T-bone. Em março passado, provei alguns cortes de nelore no Lolla Meets Fire, no Itaim Bibi, mas a casa, que serve cortes fornecidos pela marca deBetti, já não trabalha com vaca velha – o deBetti, aliás, prepara uma bela chuleta, de gado nelore de 8 anos de vida. Outros restaurantes paulistanos passaram a incluir cortes de vaca velha no cardápio, casos do Cór, no Alto de Pinheiros (350 reais o bife de chorizo, com cerca de meio quilo), e do Osso, no Itaim Bibi, onde um ancho de vaca velha custa 240 reais (400 gramas).

O bonito restaurante Urus Steakhouse, inugurado em 2022 no Jardim Europa, por sua vez, trabalha com três raças: taurino tropical (caracu), angus e wagyu, provenientes de fazendas certificadas. O restaurateur Jean Clini, sócio do Urus, aliás, vem sendo entusiasta da carne de vaca velha há mais de uma década. A marca foi lançada no Mato Grosso em 2017 e em São Paulo especializou-se exclusivamente nesse tipo de carne, de cujos animais são abatidos a partir de três anos – o dobro da média de idade com a qual as vacas em geral são abatidas.

Ali os cortes passam por um processo de dry aging, maturação que dura no mínimo 21 dias. Sob a gestão do chef Benoît Mathurin, a cozinha prepara uma seleção ampla de cortes, que vão desde uma fraldinha de 300 gramas (199 reais) a um tomahawk de dois quilos (794 reais) – todas levadas ao cliente com tempero e salga na medida correta. Com suas origens em Portugal, as primeiras vacas da raça caracu chegaram ao Brasil no período colonial, 400 anos atrás, e estão plenamente adaptadas ao ambiente brasileiro. Já as raças angus (britânica) e wagyu tiveram sua presença mais difundida nas últimas décadas. O gado é criado 100% a pasto, por no mínimo 36 meses, e recebe suplementação à base de silagem, com núcleo de minerais e cereais produzidos no local. Com esse método, consegue-se obter uma carne com sabor mais intenso e mais nutritiva – pesquisas médico-científicas recentes dizem que as qualidades da carne vermelha criada a pasto é mesmo superior à do gado confinado e trazem benefícios à saúde. O cirurgião vascular e especialista em nutrologia Wilson Rondó Jr., por exemplo, destacou em um de seus trabalhos que, ao contrário do gado confinado, o ciado a pasto possui uma alimentação natural e menos estressante, resultando em carne rica em ômega 3, essencial para a saúde.

Serviço:
Urus Steakhouse: Praça do Vaticano, 321, Jardim Europa, São Paulo. Reservas: (11) 96645-1788