Simplesmente, Lasai

Fotografia: Ricardo Garrido
José João Santos

José João Santos

Rafael Costa e Silva é chefe de cozinha e proprietário do Lasai, restaurante de Botafogo, no Rio de Janeiro, que anda nas bocas do mundo. Tem estrela Michelin, consta da centena de referências da conceituada lista “The World’s 50 Best Restaurants” e expressa a visão de alguém que está na linha da frente do que está a ser feito na gastronomia de autor da América Latina. “Se não foi, tem que ir”, como bem se poderia dizer ao jeitinho brasileiro.

 

“Rafa, lasai, lasai”. Desde o momento que deu nas vistas no restaurante Mugaritz, duas estrelas Michelin em Aldura Aldea – Errenteria, San Sebastian, Espanha, que Rafael Costa e Silva não esquece as palavras que o chefe Andoni Luis Aduriz volta e meia lhe segredava. A expressão, em Euskera (idioma falado no País Basco), é um apelo à calma, à tranquilidade e ao relaxamento. Rafa, como prefere ser tratado, chegara a Espanha com o ritmo de Nova Iorque, cidade onde estudara (no The Culinary Institute of America, uma das mais reputadas instituições de ensino de gastronomia de todo o mundo) e trabalhara (primeiro num dos restaurantes, de cozinha de fusão, do famoso chefe Jean-Georges; depois, no antigo restaurante francês René Pujol, local onde aprendeu e testou os princípios basilares da mãe das gastronomias, a francesa).


O sonho de viajar até à Europa levou-o a declinar a proposta para se assumir chefe de cozinha de primeira linha desse restaurante de matriz francesa. Já ao lado da mulher, Malena Costa e Silva, nascida no Texas mas com origens mexicanas, Rafa assumiu o risco e desatou a enviar currículos para vários restaurantes europeus, solicitando um estágio. Os grandes espanhóis receberam o pedido e haveria de ser o Mugaritz o primeiro a responder-lhe, acedendo ao pedido e facilitando a burocracia. Sem olhar para trás, arriscou.


O estágio de quatro meses haveria de se tornar numa experiência de cinco anos, vividos com intensidade e sob os sábios aconselhamentos de Aduriz. Mas o jovem que nunca se imaginara cozinheiro já estava há 10 anos fora do Brasil e acabaria por decidir regressar ao Rio, novamente assumindo um risco.


Neste regresso tinha nos planos a abertura de um restaurante. Queria um espaço que se parecesse o mais possível com uma casa, onde conseguisse implementar um conceito de descontração e familiaridade. Encontrado o local – o bairro de Botafogo, na atualidade um dos mais fervilhantes da cena gastronómica carioca – , consultou três arquitetos para projetarem o futuro restaurante… e declinou todas as propostas porque se assemelhavam bastante ao que é... um restaurante. Até que conseguiu convencer um amigo arquiteto, sem histórico na projeção de espaços de restauração, a desenhar o restaurante que imaginara, sendo que a área técnica da cozinha ficou a cargo do próprio Rafa. 


O resultado é uma casa transformada em restaurante, com sala, cozinha à vista do cliente e respetiva “mesa do chefe”, no piso térreo; sala de estar, lounge e varanda, no primeiro andar. Quem entra atravessa o restaurante, passa pela cozinha e sobe para alguns aperitivos. No momento indicado, desce, senta-se e prepara-se para uma grande experiência (detalharemos a nossa não tarda).


Como imaginará, em todo este processo a definição do nome do restaurante acabaria por ser das tarefas mais fáceis: Lasai. Mas o atual Lasai demorou vários meses até estar concluído, funciona sem um menu espartilhado e ao ritmo dos produtos do dia e da vontade do chefe, viu a luz do dia e conquistou admiração contrariando várias opiniões derrotistas. 


Muitos diziam que o restaurante imaginado era demasiado europeu para vingar no Rio, outros chamaram loucura à ideia de funcionar como se fosse uma casa que recebe amigos. Mas, além da opinião do próprio, uma outra se sobrepôs às demais: a de Claude Trosgrois. O conceituado chefe de cozinha, que integra a família que inventou a “nouvelle cuisine” e detém, entre outros, o Olympe, também no Rio, encorajou Rafa a avançar, tal como anos antes o incentivara a estudar gastronomia no The Culinary Institute of America.


Aberto em 2014, o Lasai rapidamente fez furor. Nesse mesmo ano, a “Veja Rio” atribui o título “Chef Revelação” a Rafael Costa e Silva. Seguiu-se a estrela Michelin e a integração, e a entrada no famoso ranking “The World’s 50 Best Restaurants”, da revista britânica “Restaurant”.

 

Gestor e cozinheiro

Rafa (prefere esse diminutivo desde miúdo, dado que os pais o chamavam por Rafael sempre que fazia disparates em criança e na adolescência) nunca se imaginou cozinheiro, tão-pouco tem memórias afetivas e familiares que o remetessem para essa esfera. A advocacia é a área profissional do pai e de outros membros próximos da família, sendo que Rafa tem formação em gestão de empresas. Assumir os comandos dos churrascos na casa dos pais, mas o que verdadeiramente gostava era receber pessoas. Imaginava-se a gerir um bar ou um restaurante, nunca a ser cozinheiro. Essa descoberta começou com os primeiros estudos em gastronomia, no Rio, e concretizou-se durante a formação e os primeiros trabalhos, nos Estados Unidos. 

O talentoso cozinheiro sabe agora muito bem o que quer. Insiste na absoluta necessidade de elaborar uma cozinha assente nos produtos de época, de produtores de pequena dimensão com quem vai estabelecendo relações de proximidade e de confiança. Reflexos no menu do Lasai? Muito pode mudar dia a dia, ao ritmo do que o pescador ou o agricultor conseguem disponibilizar. O produto pode ser uma simples cebola ou uma cenoura. A roupagem que lhes dá retira-os da esfera da banalidade, transportando-os para um novo patamar.

Levando esse imperativo ao detalhe, Rafa explora duas hortas que servem o restaurante: uma, de menor dimensão, em casa dos pais, na Barra da Tijuca; outra, de maior dimensão, na zona serrana do Estado do Rio de Janeiro, a duas horas de distância de automóvel do restaurante. O chefe gosta bastante de conduzir e, pelo menos uma vez por semana, faz questão de sair do restaurante, guiar até essa horta (sem trânsito) e acordar no dia seguinte num ambiente sem rebuliço. O cansaço da viagem é compensado pelo prazer de um despertar diferente, pelo contacto com a terra. E quase sempre faz questão de convidar um elemento da equipa de cozinha para o acompanhar, numa notória ação de sensibilização para a necessidade diária de respeitar o que a terra dá. O ovo, uma espécie de ingrediente fetiche para Rafa, omnipresente em todos os menus do Lasai, levou-o ainda a tratar de um total de 120 galinhas.

“Se não foi, tem que ir!”

Se na sala principal podem sentar-se 40 comensais, na mesa do chefe, literalmente colada à cozinha, há quatro lugares. Antes de nos sentarmos para ali jantar tivemos oportunidade de assistir à reunião preparatória do serviço dessa noite. Rafa explicou o menu e Malena, co-proprietária e chefe de sala, tratou de avisar a equipa sobre as reservas confirmadas, as especificidades dessas mesmas reservas e a disposição das mesas. Dados os aconselhamentos finais à equipa, a reunião termina com uma espécie de quiz, em que elementos da equipa são questionados acerca do historial do restaurante e do chefe.

Já sentados na “mesa do chefe” e com os primeiros clientes a chegar, captámos outra paixão do chefe, o futebol, ou melhor, o Flamengo. Fanático pelo “time”, na cozinha sobressai uma camisola assinada pelo lendário Zico. Rafa relembra, aliás, que chegou a viajar propositadamente de Espanha para o Brasil para assistir à final do campeonato brasileiro, ainda Adriano jogava na equipa. “Ganhou 1-0, Ronaldo Angelim marcou”, recorda, de pronto. E no dia seguinte à final, contra o Grémio de Porto Alegre, Rafa regressou a Espanha, cansado da viagem mas feliz pela conquista.


Sem sombra de dúvidas, o Lasai revela-se uma das melhores casas de gastronomia de autor do Brasil. “Se não foi, tem que ir”, como bem se poderia dizer ao jeitinho brasileiro.
 

Os cariocas e brasileiros esperam que muito em breve possam conferir in loco as excelentes criações de Rafa Costa e Silva.