A pandemia foi o empurrão que faltava para muitos chefs colocarem os dois pés no delivery. Em dezembro, um dos mais aclamados do País, Alex Atala, lançou o Nóix, restaurante exclusivamente dedicado ao delivery. “Tudo foi detalhadamente pensado para que todos os pratos viajem bem”, disse Atala em comunicado de imprensa. “Queremos que o nosso cliente tenha a melhor experiência, onde quer ele esteja”, acrescentou.
O Nóix é um dos restaurantes com chef famoso que aderiram aos aplicativos. Sua estreia foi na opção “Chefs, segmento criada pelo Rappi para abrigar restaurantes de alta gastronomia. São mais de 200 cadastrados no Brasil, de acordo com a operadora. Outro nome badalado que aderiu ao “Chefs” é Rafa Costa e Silva. Detentor de uma estrela Michelin, o proprietário do Lasai fez do Rappi sua primeira escolha depois de começar com vendas pelo Whatsapp.
Essa aliança entre chefs e aplicativos é um ganha-ganha para todos, de acordo com a avaliação da CEO da consultoria Galunion, Simone Galante, profissional que acumula quase 30 anos de experiência no setor. "Os aplicativos saem do jogo somente da conveniência, que muitas vezes é pautado por preço ou promoções, e vão para outras ocasiões de consumo, de desejo, de encontros, e isso ajuda todo um processo de amplitude", explica. "E eu também vejo que possa ser um ganha-ganha para os próprios chefs, para dar mais visibilidade às marcas e conquistar novos públicos", reforça a CEO.
Criado em 2015, o Rappi está em países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Peru e Uruguai. Chegou ao Brasil em julho de 2017 e está presente em mais de 100 cidades do país. Já é a terceira marca mais conhecida do Brasil entre as alternativas de delivery de gastronomia, com 69% de awareness, segundo pesquisa divulgada em dezembro pelo instituto Qualibest.
A líder do mercado, a iFood, com 98% de awareness segundo a pesquisa, é outra que investe nessa segmentação com chefs renomados. Lançada em 2019, a categoria iFood Gourmet atingiu, entre março e dezembro de 2020, a categoria um crescimento superior a 20% no número de restaurantes entrantes, o que representa um aumento de 106% ao mesmo período do ano anterior, de acordo com a companhia criada em 2011. Em conjunto com os parceiros, o iFood elaborou duas edições do Gourmet Experience, uma espécie de festival gastronômico via delivery. Entre os participantes, nomes como Mocotó e Manioca – de Rodrigo Oliveira e Helena Rizzo, respectivamente.
Outros aplicativos citados na pesquisa são o 99 Food (50%), James Delivery (22%) e Loggi (16%).
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Uber Eats: aposta em programa de assinatura
A maior ameaça ao IFood está no Uber Eats. Em 2018, de acordo com o Qualibest, o iFood liderava com folga, com 93% de awareness, enquanto o Uber Eats contava com 32%. Em setembro de 2020, esse número pulou para 79%, um crescimento de 47 pontos percentuais, segundo o instituto. A foodtech está no Brasil desde 2016 e já atinge mais de 150 cidades em todos os estados do país.
Uma das apostas para ampliar sua base é o Uber Pass. Lançado em 2020, o programa de assinatura traz benefícios integrados, tanto para o Uber Eats como para o aplicativo de mobilidade que conta com mais de 22 milhões de usuários. A ideia é que uma parcela dos assinantes também use o serviço de entregas de refeições, de olho nos descontos e isenções de taxas de entrega.
“É uma experiência integrada”, defende o Head of Restaurant Operations do Uber Eats Brasil, Rafael Pereira, em entrevista à GULA.
Outro diferencial, acrescenta Pereira, seria justamente a expertise da multinacional, que em todo o mundo conta com quase 20 mil funcionários na operação em escritórios – mil deles no Brasil. “A gente tem o privilégio de ter uma equipe que trata da experiência, com mais personalizada, mais rápida e mais confiável, com tecnologia construída de forma global. Tem uma inteligência artificial inteiramente à disposição dos restaurantes”, destaca.
De acordo com o Head, a pandemia impulsionou a transformação digital de muitos negócios, inclusive os de alta gastronomia, e o Uber Eats tem olhado com atenção para esse perfil de negócio. “Esse segmento é muito importante para a gente, até porque historicamente esse é muito focado em balcão”, diz ele,
Marcas como Astor, ICI Brasserie Taj Mahal são algumas que já fazem parte do Uber Eats. Mas ainda há oportunidades. “A gente está vendo esse movimento. Começou no ano passado, mas está acelerando cada vez mais”, comenta o Head, que tem duas dicas: o tagliatelle do La Pasta Gialla e a tábua do parrillero do Empório San Martin, ambos em São Paulo.
Dados do Uber Eats apontam que, com a pandemia, entre março e setembro de 2020, o número de restaurantes ativos aumentou 34%. Muitos entraram no digital pela primeira vez, segundo a operadora., que fez um levantamento dos 10 itens mais pesquisados em 2020 no Brasil: Salada, Carne, Pizza, Açaí, Batata frita, Salmão, Macarrão, Alho, Esfirra e Bolo, pela ordem.
Pandemia multiplica pedidos
A pandemia aumentou o uso de aplicativos de delivery. Em dezembro, o QualiBest revelou que o uso dos apps teve um salto de 50% para 76% entre as duas sondagens – a primeira foi encerrada em outubro de 2018 e a segunda, com 1.500 entrevistados, em setembro de 2020.
A boa nova é que a exigência do consumidor subiu de patamar. 75% dos consumidores exigem 4,5 (de um total de 5) como nota mínima nos deliveries de aplicativos ou marketplaces. Dentre esses, 32% entendem que a nota mínima nos aplicativos deva ser de 4,70. Os números são de um levantamento chamado “Percepções do Delivery na Pandemia”, divulgado em maio pela Galunion.
Um dos achados é que 32% dos clientes fazem até seis pedidos de delivery mensalmente. E, a cada R$ 40 gastos em pedidos no delivery, os consumidores estão dispostos a gastar R$ 17,77 adicionais em sobremesas. O estudo teve a parceria da AlmoçoGrátis, consultoria que faz análises de comportamento de consumo.
Um dos principais critérios para a avaliação, claro, é a execução perfeita: 60% dos consumidores responderam que o produto deve ser igual ou similar ao que é oferecido na experiência de salão.
Quando recebem os pratos, os entrevistados entendem ser mais relevante o sabor (46%), a temperatura (18%), o frescor (13%), a consistência (11%) e a aparência (3%). Um ponto interessante é que 87% já deixaram de escolher um local pelas fotos ruins da oferta.
Além da execução perfeita, conta pontos na avaliação quesitos como pontualidade, entrega e embalagem. A pesquisa mostra que, atualmente, 45 minutos é o tempo máximo aceitável para não perder um cliente. De cordo com a CEO da Galunion, Simone Galante, um atraso de 20 minutos gera uma queda de 33% no encantamento e pode prejudicar a nota média da empresa.
"Ainda há muito a melhorar a percepção do consumidor. Ele ainda está mais nichado na conveniência e nas promoções. Existe uma oportunidade de ampliar a experiência e fazer com que haja um encantamento desse cliente", diz ela em entrevista à GULA.
Devoro: um marketplace em forma de cozinha
Uma coisa é certa: fazer gastronomia passa, hoje, por uma estratégia de delivery. E a pandemia tem tudo a ver com isso. As restrições das atividades presenciais tornaram imprevisível o faturamento no salão, com consequências dramáticas para o setor.
“A cada dia, dezenas de estabelecimentos fecham as portas. Mais de 50% deles não conseguiu pagar salários de abril, 76% têm dívidas atrasadas, 30% já fecharam as suas portas”, disse a Abrasel-SP em carta aberta ao governo do Estado logo que anunciada reabertura dos restaurantes em São Paulo, em abril, após um fechamento das lojas que perdurou quase 50 dias em função da segunda onda de covid-19.
Não por acaso, é cada vez mais comum a abertura de marcas voltadas exclusivamente para o delivery. Além dos já citados Noix e Empório Lasai, a Companhia Tradicional do Comércio (CiaTC) criou uma espécie de marketplace físico de suas casas.
A iniciativa consiste na criação de uma marca, a Devoro, para abrigar os pedidos que construíram uma trajetória de sucesso do grupo, que controla 38 endereços de marcas como Pirajá, Astor, Original, Ici Brasserie, Bráz, Lanchonete da Cidade e Bráz Elettrica.
A vantagem: tudo chega pelas mãos do mesmo entregador, em um único pedido e pagando um único frete.
A embalagem principal chega com o logo da Devoro, enquanto no interior da sacola são preservadas as marcas de cada cozinha.
“Entregar vários dos nossos pratos poderia ser benefício real. Nossa proposta de valor é o pedido coletivo, a conveniência de não descer três vezes na portaria. Todo mundo come junto em casa e pode misturar, em uma experiência divertida”, explica a diretora de marketing e inovação, Juliana Fava.
A ideia só se tornou possível com a criação de uma dark kitchen especialmente para essa finalidade. Instalada no bairro de Pinheiros, a Devoro nasceu 100% digital. O cardápio não tem a totalidade das opções de todas as casas. “No Devoro vendemos os mais pedidos. O que a gente vende é feijoada, parmegiana, picadinho e estrogonofe”, resume. “Tem muita indulgência em tudo que a gente faz. É uma marca que está na zona de confort food”, completa a diretora.
A marca surgiu como uma resposta à necessidade de reinvenção do grupo, diz ela. “A pandemia foi um desafio muito grande. Havia marcas que nem no delivery estavam. A CiaTC sempre foi uma empresa analógica. Tudo era pensado como experiência de salão”, reconhece a diretora de marketing e inovação.
Hamburgueria: 100% focado no delivery
As circunstâncias também chacoalharam a vida de Aline Gardinalli, de 25 anos. Ela e o marido Victor são sócios do Gardilla's Burguer, em Várzea Paulista, interior de São Paulo. “Surgimos no final de 2020 em meio à pandemia", diz ela.
Depois de um início mais modesto, eles focaram no delivery. Investiram parte das economias e montaram o negócio depois de fecharem as portas de outro empreendimento. “Nosso pensamento era vender no bairro, para amigos e vizinhos para se sustentar e ir se mantendo até tudo isso passar", admite. "Mas estava dando mais do que certo e decidimos entrar nos aplicativos IFood e Uber Eats em busca de novos clientes e espalharmos a cor laranja do GB até onde conseguíamos."
“O delivery hoje é o coração do negócio. Imaginávamos atender somente nos bairros mais próximos, amigos e vizinhos. Com os aplicativos nós conseguimos expandir. O delivery é o que nos mantém vivo. Nossa intenção era vender cinco hamburgueres por dia e hoje fazemos, em média, dez por hora e 1.200 por mês.”
Cada aplicativo tem sua vantagem. “O iFood, no momento, está cobrando uma porcentagem menor nas taxas com intuito de incentivar os restaurantes e mantê-los abertos. Já o Uber Eats te ajuda a atender um raio de quilometragem maior, até o triplo do iFood, e com isso temos mais vendas. Também temos a opção de receber diariamente no Uber Eats. Isso foi o que mais nos ajudou no começo, pois o valor investido volta rápido e, todos que começam não tem um caixa alto”, diz a empreendedora.
No corre, há espaço para lembranças de momentos incomuns.
“Um pedido curioso foi no Dia da Mulher. Um cliente fez um pedido e deixou uma observação para escrevermos uma mensagem, algo diferente para sua esposa em um dos hamburgueres. Imediatamente fomos para o Google ver "frases de amor" e escrevemos na tampa da caixinha. Depois passamos um laço por toda caixa como se fosse um presente. Ele amou e fez um novo pedido. Nesse novo pedido deu uma quantia como bônus, pois no Uber Eats existe essa opção. Também escreveu ‘vocês são demais, obrigado’. Foi muito legal”, relembra Aline.