Entender os vinhos de Álvaro de Castro é das coisas mais fáceis que existem. Basta levar o líquido à boca e tudo está claro, cristalino. Eles vibram, pulsam. São cheios, múltiplos e ao mesmo tempo leves e frescos. São grandes vinhos. Mas para explicá-los, é preciso levar em consideração dois fatores primordiais: o homem e o lugar.
Do bebê que ganhou concursos de beleza ao mau aluno que se formou em engenharia civil mas que nunca chegou a exercer a profissão, Álvaro foi moldando o caráter, viajando, colecionando experiências e mundo. Quando a hora chegou, a decisão precisou ser tomada. Ou a propriedade seria vendida, ou Álvaro tomaria conta daquilo. Felizmente, não houve venda. E as terras que pertenciam à família desde tempos imemoriais, continuaram sob a batuta de Álvaro de Castro.
Naquela altura, ainda moço, as melhores referências que Álvaro detinha em relação a vinho eram exatamente os dali, no Dão, da garrafeira do pai, feitos no centro de estudos de Nelas. Curiosamente, hoje são justamente estes os preferidos do produtor. "Depois desses anos todos, as minhas referências ainda são as mesmas. O melhor vinho do mundo, pra mim, continua sendo o mesmo. E percebi isso, quando tive contato com os outros vinhos todos", diz.
E aí entra o outro lado da história: o lugar. Emoldurada por três maciços montanhosos, cercadas por florestas, refastelada num mar de granito, a região do Dão é especial. Daquelas que parecem ter sido inventadas propositadamente para que lá fizessem vinhos de qualidade ímpar. E entender o lugar onde está é o exercício quase diário que Álvaro fez desde que assumiu a Pellada em 1980. "A paixão pela propriedade é algo que tem se vindo a constituir. Tive sorte, recebi tudo aquilo, não fiz nada por isso. E tenho percebido ao longo do tempo, que a quinta tem uma expressão própria, uma identidade, um caráter que acho que tem que ser preservada. Meu trabalho é blindar essas características que vêm da vinha das influências externas. E fazer um vinho que não dance ao sabor da moda", resume.
Com o tempo de observação e trabalho nas vinhas, Álvaro dividiu os 26 hectares da propriedade de acordo com as características de cada parcela. No que o produtor julga ser o bloco principal, em vinhas contíguas a norte, estão parcelas como Primus, Casa e Alto, de onde saem algumas das maiores joias da Pellada. "Aqui o que transforma o vinho e resulta nas diferenças principais acho que nem é o clima ou a diferença de altitude entre as vinhas, mas é mesmo o terreno e provavelmente as castas que lá estão", explica. "É uma vinha de field blend, e isso também é mais um desafio. O cultivo, e sobretudo a apanha, é mais difícil. Mas, por outro lado, dá muito mais gozo. E ver como elas interagem umas com as outras. Há pessoas até que defendem que pelo fato de estarem plantadas umas com as outras, interagem de uma maneira diferente. Eu tenho algumas dúvidas relativas a isso. Mas também não tenho a certeza de que não seja assim", reflete.
E após tantas vindimas (Álvaro começou a produção própria de vinhos em 1989), refletir parece ser o tema em questão. Pensar mais e intervir menos, por assim dizer. Seja no campo, seja na adega. Na vinha, aceitar talvez seja o verbo mais conjugado. "A vinha é uma monocultura. E como tal, não é exatamente muito ecológica. A biodiversidade é tudo. Para o homem e para as plantas. Mas nós podemos combater esse defeito. E essa é a parte importante que nós podemos fazer na vinha. É não querer ter produções excessivas nem controlar demais a produção. No fundo, é aceitar as características próprias da propriedade e respeitar as diferenças. Seja de ano pra ano, seja de sítios dentro da quinta", defende. Na verdade, não há anos maus. E sim, anos em que fazemos menos vinho", completa.
E na adega, talvez a palavra-chave seja esperar. "Uma coisa que me arrependo é não ter guardado mais garrafas dos meus primeiros vinhos. Talvez tenham sido alguns dos melhores que já fiz. Por isso hoje, penso em guardar mais. Engarrafar meus vinhos com mais tempo. Lançar mais tarde. Em outras palavras, é fazer menos e melhores vinhos", ri.
Assim seja.
Notas de Prova:
Álvaro de Castro Dão Encruzado 2010
A perfeita combinação entre volume, fineza e frescura é a valia que mais chama a atenção neste grande branco. Outro ponto importante a ser destacado: o tempo. Talvez apenas recentemente este vinho tenha finalmente atingido a melhor forma. Transpira vida, alegria e vigor. O que apenas confirma que muitas vezes provamos grandes vinhos antes que eles sejam grandes de fato. Nota: 92
Quinta de Saes Estágio Prolongado Encruzado 2015
Embora este vinho já esteja de facto muito bom, há que se dizer que com a idade ficará ainda melhor. O tempo vai abrir o aspecto olfativo trazendo uma gama de aromas maior e mais complexa do que já apresenta. E na boca, a impulsividade da juventude certamente dará lugar a um equilíbrio mais tranquilo da maturidade. Mas se a vontade de beber for maior do que a paciência, então abra a garrafa com alguma antecedência e aproveite. Trata-se de um grande branco. Nota: 90
Primus 2015
Mineralidade é sempre uma palavra complicada para descrever um vinho. Não há um consenso sobre o que significa ou sequer se de facto existe. Mas a verdade é que este branco aqui, feito com vinhas velhas de encruzado e mais um montão de outras castas plantadas em uma parcela da Quinta da Pellada, traz o lugar no bojo. Cheira a solo, lembra de forma indissociável o granito que serve de chão a estas raízes. É enorme, autêntico, firme. Ainda na primeira infância, clama por tempo. Com a idade, este verdadeiro menino prodígio vai crescer e aparecer ainda mais. Um vinho para guardar. E beber de joelhos. Nota: 95
Primus 2007
Abrir uma garrafa de um branco com alguma idade e encontrar não apenas vida, mas juventude, é sempre animador. E é o caso deste aqui, o que apenas sublinha quão importante é saber esperar. Um branco pronto, equilibrado, com uma suavidade e delicadeza que vibram. E que ainda tem fôlego pra seguir assim por bastante tempo. Ah, como é bom beber um vinho assim... Nota: 96
Quinta da Pellada 2012
Muita fruta, combinada com uma boa sensação mineral, frescura e intensidade na medida certa, montam a base de tinto que exala elegância por todos os poros. Feito com quase 50 castas, incluindo uma boa base de vinhas muito velhas plantadas em field blend, é um bom retrato geral do que se trata a Quinta da Pellada e de como Álvaro de Castro trabalha o potencial do lugar. Nota: 93
Quinta da Pellada 2014
O ano teoricamente não foi dos melhores. Mas talvez o grande segredo da vida seja fazer a omelete com os ovos que se tem. E se não há aqui a fruta que costumeiramente marca esta linha, outros predicados se revelam. Os taninos muito finos já avisam: o nome do jogo é a delicadeza. E a sensação mineral é ainda mais forte neste do que nos pelladas antecessores. O tempo é um aliado poderoso. E especialmente este vinho aqui vai mostrar ainda muito mais com o passar dos anos. Para guardar. Nota: 91
Quinta da Pellada Alto 2013
Ao mapear a propriedade que tem, Álvaro de Castro separou a Quinta da Pellada em parcelas. Alto fica na parte leste, tem dois hectares, solos um pouco mais arenosos que nas outras parcelas, vinhas velhas e muitas castas misturadas, numa área onde a touriga-nacional não é dominante. Na taça, o que se revela é um tinto onde a fineza e a leveza dão as cartas. Já entrega prazer hoje. Mas vai ficar ainda melhor com o passar dos anos. Nota: 93
Quinta da Pellada Casa 2013
A parcela que Álvaro de Castro batizou como Casa fica na parte oeste da propriedade, com solos bem compactados, onde aparecem argila e algum quartzo. Na taça, o que se vê é um vinho expressivo, suculento, guloso, cheio de assunto. E duas coisas poderão fazer este tinto ainda melhor: comida e tempo. Nota: 93
Quinta da Pellada Casa 2014
Dizem os franceses que não há maus anos. Há anos com menos vinhos. 2014 foi assim. O clima chuvoso não ajudou. Mas quem sabe trabalhar, entregou coisa muito fina. Este Casa é completamente diferente do feito no ano anterior. Menos expressivo e intenso, mais austero e discreto. E talvez seja precisamente este estilo mais sutil que faz deste 2014 levemente superior ao antecessor. Nota: 95
Quinta da Pellada Alvarelhão 2011
Sabe aqueles vinhos em que a gente bebe de golão, tão bons, leves e frescos que são? Pois este alvarelhão do Álvaro de Castro é assim. Uma fruta gostosa, uma acidez feliz, descompromissado, gostoso. Mas não se engane: é um vinho com potencial de guarda e que é muito mais do que apenas levinho e fácil. É um grande tinto, muito bem conseguido, que encanta pela elegância sutil e pelo prazer que proporciona. Nota: 92
Quinta da Pellada Carrocel 2011
Feito apenas com a touriga-nacional, nos anos em que a casta atinge a melhor expressão na quinta. Fermenta em lagar, estagia por um bom período em madeira. Talvez seja o mais musculoso entre os vinhos da Pellada. Tem concentração, sente-se a potência. Mas mesmo assim, a elegância daquela terra abençoada diz presente, garantindo uma boa frescura e impedindo que o tinto pese ou canse. Mesmo assim, convém abrir com comida. E, se puder esperar para beber mais a frente, melhor ainda. Vai melhorar ainda mais com a idade. Nota: 91
Muleta 2013
Vinhas muito velhas, fora da Quinta da Pellada, e que foram alugadas por Álvaro de Castro. É daí que saem as uvas para este tinto não menos que espetacular. Queres concentração? Tem aos montes. Buscas elegância? Aqui não falta. Frescura? Tem pra dar e vender. E mais: tem fruta, vigor, profundidade. E que fineza de taninos!!! O que não falta neste vinho são qualidades. O defeito? A produção é mínima!!! Nota: 97
Dente de Ouro 2015
Feito com uvas provenientes de vinhas muito antigas, alugadas a uma vizinha por Álvaro de Castro. Este é daqueles tintos que dizem a que veio sem muita cerimônia: cheio de leveza e frescura, com uma acidez elétrica. É daqueles vinhos que soam despretensiosos, mas um gole convida a outro e assim vai sucessivamente até que a garrafa acaba quase como num passe de mágica. Nota: 91