GULA ESCOLA
Não é preciso saber muito do assunto para ter noção de que os vinhos de Bordeaux estão entre os mais caros e comentados do planeta. Em safras especiais, alguns rótulos excepcionais atingem valores com os quais se poderia comprar um carro ou mesmo um pequeno apartamento em zona nobre de uma grande cidade brasileira. A região é dividida por zonas. E a de maior prestígio é o distrito do Médoc, onde estão as comunas de Margaux e Pauillac, por exemplo, lares de alguns dos mais caros e desejados vinhos do mundo. Preparamos um pequeno guia para apresentar o Médoc ao leitor:
1 - O Médoc é uma península triangular, que fica no paralelo 45º e compreende uma área que vai do norte da cidade de Bordeaux até o estuário do Gironde, em uma faixa estreita de cerca de 12km de largura, entre o rio e uma área de vegetação à beira mar, num total de 16,5 mil hectares. A leste, a vinha margeia os rios (Gironde e Garonne) e se estende desde a Ponta de Grave até o nordeste de Bordeaux. A oeste, uma reserva florestal e os Landes formam uma parede de vegetação até o Atlântico. As vinhas no Médoc estão localizadas entre dois grandes corpos de água, formados pelo oceano e pelo estuário, que atenuam os excessos do clima temperado e os pinhais da costa protegem as vinhas dos piores ventos atlânticos. As diferenças de temperatura são menores ali, e as geadas da primavera são menos violentas do que em outros lugares.
2 - Apesar da fama, do prestígio e de todos os milhões envolvidos nos vinhos do Médoc, a viticultura na região é relativamente nova (se compararmos com outras zonas na própria França, como a Borgonha, por exemplo). Até o séc. XVII, a área era majoritariamente pantanosa e foi drenada por engenheiros holandeses para ser usada principalmente como pasto. No entanto, a aristocracia local não tardou a perceber o enorme potencial que a região tinha para gerar vinhos que poderiam rivalizar com os vizinhos de Graves e assim enfrentar a concorrência no cobiçado mercado inglês, naquela altura dominado pelos vinhos portugueses.
3 - O senso comum ensina que os solos do Médoc são majoritariamente de cascalho e que a Cabernet Sauvignon predomina nestas zonas, o que não deixa de ser verdade. No entanto, para entender as sutilezas que a região oferece, é preciso ir mais fundo. A maioria do cascalho encontrado no Médoc foi levado para lá a partir de duas fontes principais: as montanhas próximas dos Pirinéus e os vulcões extintos do Maciço Central no sul da França. Os solos pedregosos do Médoc não são apenas criados a partir de cascalho. Os vários tipos e tamanhos de pedras repousam em leitos que variam de calcário a argila, arenito e outros materiais minerais e orgânicos. O tipo e a profundidade do cascalho desempenham um papel importante no caráter dos solos e do terroir. E há mais: o cascalho não reina absoluto no Médoc. Há muito argilo-calcário situado entre faixas de cascalho a leste e oeste da península, o que significa que boa parte dos vinhedos do Médoc são plantados com Merlot, o que contribui para uma maior diversidade de estilos. Além disso, a inclusão do Merlot em blends permite vinhos mais frutados que podem ser apreciados jovens. Portanto, não é de admirar que mesmo em um único château, uvas de vinhedos próximos possuem uma base de solo extremamente diferente e, por consequência, geram uvas (e vinhos) distintas.
4 - São oito as AOCs existentes no Médoc. De sul para o norte: Haut-Médoc, Margaux, Moulis, Listrac-Médoc, Saint-Julien, Pauillac, Saint-Estèphe e Médoc.
5 - Cabernet Sauvignon é a uva mais usada no Médoc, seguida de perto pela Merlot. Além das duas protagonistas, outras uvas como Cabernet Franc, Petit Verdot, Côt (Malbec) e Carmenère, em pequenas quantidades, também são aproveitadas para dar maior complexidade aos cortes. Entre as brancas, a Sauvignon Blanc é a uva dominante. A Semillon é também usada, e, em menores proporções, aparecem Sauvignon Gris e Muscadelle.
6 - O clima em Bordeaux é temperado, mediterrâneo e marítimo. A temperatura média anual gira em torno de 13ªC. Mas no verão, há picos de 40ªC nos anos mais quentes. No entanto, a temperatura tende a esfriar bastante durante a noite, mesmo nos dias de maior calor. Nas primeiras horas das manhãs não é incomum que os termômetros registrem menos de 10ªC. Estas noites frias contribuem para manter bons níveis de acidez nas uvas, que irão garantir o frescor dos vinhos da região. Bordeaux é uma região úmida, com alta pluviosidade. A média anual gira em torno de 900mm.
7 - O sucesso do Médoc está intimamente ligado à classificação de 1855. Em 5 de abril daquele ano, a Câmara de Comércio da Gironde determinou que fosse criado um ranking oficial dos vinhos da Margem Esquerda de Bordeaux. A tarefa ficou com o sindicato dos negociantes de vinhos da região. Durante duas semanas, foram analisados vinhos de diversos châteaux de cinco denominações do Médoc (Margaux, Saint-Julien, Pauillac, Saint-Estèphe e Haut-Medoc), além de um produtor em especial, o Chatêau Haut-Brion, proveniente de Graves. Os melhores vinhos tintos foram divididos em cinco categorias. Um total de 57 chateaux bordasses (atualizações e divisões de propriedades levaram este número a 60 hoje em dia) foram incluídos na classificação original de 1855. Quando o resultado oficial foi anunciado, quatro propriedades foram elevadas ao status de 1er Cru: Château Lafite Rothschild e Château Latour, ambos de Pauillac; Château Margaux, da denominação de mesmo nome, e Château Haut-Brion. Uma revisão feita em 1973, elevou o Château Mouton-Rothschild, até então um 2eme, ao status de Premier Cru.