JMF Moscatel Kingsman Century Edition 1919

Fotografia: DR
Alexandre Lalas

Alexandre Lalas

Quando, no verão de 1919, trabalhadores colhiam um promissor moscatel nas vinhas plantadas nos solos argilo-calcários da Serra da Arrábida, uma pequena filha de imigrantes italianos chamada Helena - minha avó - completava um ano de idade. Aquelas uvas geraram um vinho que repousou durante anos nos cascos de 575 litros da Adega dos Teares Velhos, da José Maria da Fonseca. Enquanto o vinho evoluía, a menina Helena crescia, estudava, aprendia. Virou mulher, casou, viajou, gerou cinco filhos, entre eles, minha mãe Eunice. Os filhos geraram muitos netos, que depois deram bisnetos à Dona Helena. Minha avó, que sempre adorou um cálice de um vinho doce (e dela herdei o gosto por esse tipo de vinho) viveu cercada de filhos, netos, bisnetos, amor, vinhos e luz por quase 86 anos, até descansar, em 2004, cercada por toda a família e coberta de paz. 

 

Durante toda a passagem da minha avó por este plano, o moscatel contemporâneo dela continuou no mesmo lugar, do outro lado do Oceano: nos cascos de madeira velha da Adega da José Maria da Fonseca. Enquanto o vinho lentamente evoluía, os homens lutaram guerras, perderam batalhas, forjaram paz. Disputaram jogos, enfrentaram pandemias, viajaram no espaço. Livros foram escritos, verdades mudadas, histórias apagadas. O mundo experimentou invenções, inovações, evoluções, involuções. A terra ardeu, o bicho pegou, o galo cantou, o mar serenou. 

 

Até que em 2021, a 20th Century Studios e a MARV, produtora do diretor Matthew Vaughn, decidiram finalmente lançar o terceiro filme de uma bem sucedida saga cinematográfica. The King’s Man: A Origem é a continuação de Kingsman: Serviço Secreto, de 2014, e Kingsman: O Círculo Dourado, de 2017. O grande elenco é encabeçado pelo sempre competente Ralph Fiennes e a história gira em torno da Primeira Guerra Mundial e da luta de um homem que precisa correr contra o tempo para salvar o mundo da ameaça de um grupo de cruéis tiranos que desejam roubar milhões, assassinar inocentes e comprometer o futuro da humanidade. 

 

A esta altura, o confuso leitor certamente está a pensar o que diabos uma produção anglo-hollywoodiana tem a ver com um moscatel centenário que repousa em cascos velhos numa adega em Portugal. Pois aí é que a história fica boa e a cobra torce o rabo. Para celebrar o lançamento da terceira parte da saga Kingsman, Vaughn e a 20th Century Studios procuraram a José Maria da Fonseca e propuseram uma parceria que resultou justamente no lançamento de uma edição especial de apenas 500 garrafas daquele moscatel de 1919 que repousava tranquilamente nos cascos da Adega dos Teares Velhos. 

 

E se o filme é um tanto mais ou menos, o Moscatel Kingsman Century Edition 1919 é coisa de maluco. A cor é de um castanho escuro, quase impenetrável, com reflexos cor de ouro e a unha com tons levemente esverdeados. No nariz é intenso, profundo, inebriante. A gente chega a fechar os olhos por longos segundos para melhor sentir toda a enorme paleta aromática do vinho, que passeia por passas, tâmaras, figos secos, flor de laranjeira, gengibre em calda, noz moscada, cravo, pó de café, só pra citar alguns dos mais evidentes. 

 

E na boca… bem, na boca consegue a proeza de ser ainda melhor e mais encantador do que é no nariz. Tem uma densidade impressionante, condizente com a idade que tem e a concentração que atingiu. Mas a espessura do vinho nem de longe significa que estamos diante de um moscatel pesado, doce ao extremo de cansar após o primeiro encantamento. Pelo contrário! O vinho tem um frescor notável, com um lado cítrico incrível e capaz de suportar com folga as 283 gramas por litro de açúcar residual que tem este cara aqui. E não obstante a profundidade e a dimensão que tem, este Moscatel parece não acabar nunca. O delicioso gosto do vinho permanece por um longuíssimo tempo a excitar nossas papilas gustativas (ainda bem!). Um vinho doce, fresco, vivo, intenso, denso, frutado, profundo, inesquecível. Um Moscatel que a minha avó certamente adoraria provar. E que, tenho bem a certeza, faria com que Dona Helena elevasse este néctar a categoria indiscutível de um cálice sagrado. Amém!