A importância da história

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Jamie Goode

Jamie Goode

O que hoje consideramos vinho de topo foi moldado outrora pelo transporte e pelo comércio. O papel da história é importante na criação da paisagem em que este ecossistema se desenvolve.

 

Quando era adolescente, tinha um livro de poesia popular de um autor chamado Steve Turner. Um dos poemas que mais gostei era muito curto. “A história repete-se”, diz Turner. “Tem que ser. Ninguém escuta”. Sou fascinado pela história da viticultura, porque o modelo atual da indústria do vinho é, em grande parte, um resquício do seu desenvolvimento histórico. E as tendências no vinho funcionam muitas vezes em ciclos: regressamos ao passado em busca do melhor.

 

Um exemplo é a forma como o que consideramos vinho de topo é moldado pelo transporte e pelo comércio. Um exemplo óbvio são os vinhos insulares da Madeira e das Canárias, onde a vinha se desenvolveu devido à posição destas ilhas em importantes rotas comerciais. E os estilos de vinho também foram moldados pelos padrões comerciais. Os vinhos fortificados, categoria onde Portugal se destaca, foram em grande parte um desenvolvimento influenciado pela necessidade de vinhos mais estáveis ​​para sobreviverem a viagens que seriam demasiado brutais para os mais delicados. Depois, temos a localização física de importantes regiões vitivinícolas perto de rios, o que pode ser em parte devido a influências climáticas, mas é mais provável que seja devido ao seu transporte para mercados importantes.

 

O vinho de topo, tal como o conhecemos hoje, é um desenvolvimento bastante moderno. Durante a maior parte da história, o vinho tem sido um produto básico para os países com climas que permitem a cultura bem sucedida da vinha. As populações precisavam de vinho e, em países clássicos de consumo de vinho, como França, Itália, Portugal e Espanha, requeriam-no em quantidades generosas. Não era algo para saborear e tratar com reverência, mas antes um alimento: para consumir às refeições e até como fonte de hidratação para os trabalhadores agrícolas. A expansão do mundo do vinho a partir das regiões clássicas foi muitas vezes impulsionada por imigrantes habituados a consumir vinho na sua terra natal e à procura de uma fonte local. Um grande exemplo seria a indústria vitivinícola da Nova Zelândia, que foi fortemente moldada pelos expatriados dálmatas em West Auckland, ou a australiana, influenciada pelos colonos da Silésia em Barossa.

 

O Douro é outro bom exemplo. A situação hoje é bastante diferente da que seria há 400 anos. Na altura, o Douro era uma região pobre e remota, sendo a viticultura apenas uma parte da paisagem. A agricultura era policultural, com os topos dos socalcos para cultivo e as Vinhas a crescer em buracos nos muros chamados pilheiros. Os vinhos ali produzidos não seriam fortificados e assim foi até ao século XVIII, com a chegada e, mais tarde, o domínio, do Vinho do Porto. Foram as exportações de vinho que impulsionaram em grande parte esta transição e a configuração da região tem sido enormemente afetada pela procura externa de um vinho rico, estável e doce, que funciona tão bem em Londres como localmente. O comércio é o motor que impulsiona o crescimento e a mudança.

 

Se olharmos de forma mais ampla para o panorama vitivinícola português, para usar esse país como exemplo, a história deixou marcas de forma bastante significativas. Cada região desenvolveu os próprios estilos de vinhos e possui a própria seleção de variedades. Não há nada de muito incomum nisso, é claro: tal aconteceu na maioria dos países vitivinícolas clássicos. Acontece que, mais recentemente, quando o mundo se tornou muito mais conectado e as variedades internacionais famosas varreram o mundo do vinho, Portugal estava relativamente isolado. Houve muitas coisas que não foram ideais nos anos de Salazar, mas isso impediu a “modernização” do cenário vitivinícola de Portugal e ajudou a preservar a diversidade regional. Enquanto as décadas de 1960 e 1970 foram um período de rápidas mudanças nas regiões vitivinícolas de outros lugares, Portugal não deu esse salto e, em retrospetiva, esta foi uma boa jogada. Os vinhos de Portugal ainda são muito portugueses.

 

Quando olhamos para o mundo do vinho, muitas vezes subestimamos o papel que o dinheiro desempenha. Estamos agora numa era em que a dimensão do vinho de topo cresceu e se expandiu. Temos o ‘novo vinho de topo’: belas expressões de lugar de regiões que antes não faziam parte da conversa sobre este nível de vinhos. Para que isso aconteça, é necessária uma base de clientes preparada para pagar bom dinheiro por vinhos que não são classicamente de topo. Veja-se a revolução dos vinhos tranquilos do Douro. Não é certamente um local para viticultura barata e fazer vinhos tranquilos de alta qualidade custa certo valor, o que significa que deve haver clientes dispostos a pagar para ver este segmento desenvolver-se. São necessários viticultores apaixonados e qualificados, mas também clientes que apoiem esses viticultores, para que uma revolução aconteça.

Trata-se de um ecossistema dinâmico e complexo. O papel da história é importante na criação da paisagem em que este ecossistema se desenvolve - e tudo está interligado. Antes do advento da tecnologia – cubas de aço inoxidável, sistemas de refrigeração, leveduras comerciais – o estilo de vinho que um produtor podia elaborar era limitado pelo ambiente em que trabalhava. No passado, não era possível produzir vinhos brancos frutados e frescos no Alentejo, por exemplo. Agora, tudo é possível, mas o que acontece hoje no mundo do vinho baseia-se no que aconteceu previamente. Mas nada fica parado e há sempre evolução.

 

Um dos caminhos desta evolução que mais me entusiasma é o regresso ao passado em termos de vinificação. As modernas formas de vinificação técnica, com todo um conjunto de aditivos, gases inertes, aço inoxidável e pequenas barricas de carvalho, tem sido importante para nos levar onde estamos hoje. Tem dado às pessoas vinhos limpos e frutados a um bom preço. Mas, em termos de vinhos de topo, os produtores têm agora a coragem de voltar atrás e empregar métodos de evolução do passado. Vemos assim um regresso aos grandes ‘foudres’ de carvalho, ao betão, à terracota. É emocionante ver o uso criativo de métodos antigos de vinificação para criar vinhos verdadeiramente interessantes, especialmente em regiões que, no passado, nunca foram associadas a vinhos de topo. Alguns podem argumentar que isto é apenas um artifício mas, nas mãos das pessoas certas, estas formas mais históricas de fazer vinho têm sido realmente muito vibrantes.